quarta-feira, fevereiro 15, 2006

"Eu sou tua e tu és meu, e nós é um"

“Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muito de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez e nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia...”

Trecho do livro Um Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres de Clarice Lispector
Fala de Ulisses para Lóri

7 comentários:

Anônimo disse...

Um bocado niilismo. Herancinha cruel esta, não?

betita disse...

Ulisses diz: "Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, lóri, e esperarei até você também estar mais pronta."

Anônimo disse...

nem sempre o que nos importa, importa pra quem está ao nosso redor. Vivemos um mundo individulista.

betita disse...
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betita disse...

Acredito que possamos fazer diferente, mas que estamos vivendo numa sociedade do "descartável", estamos. O outro é apenas um espelho frente aos desejos e vontades do outro.

Ivana de Souza disse...

Às vezes, acho que perdemos um tempo danado divagando sobre a vida e como não a deixar descartável, quando na prática tudo parece ir pra o outro extremo. Será que quanto mais a gente pensa e teoriza, mais distante fica a aplicação dos nossos "estudos"?

Vanderlan Júnior disse...

A adoração ao "NOVO"! Leva ao consumo... De carros, de roupas, de celulares... Pessoas, emoções e sonhos (descartaveis).
"Mas, é vc que ama o passado e não vê que o novo sempre vem!" Eu queria aprender a amar o passado, ou o passado ainda quente aqui do lado.