Dentro do ônibus ela observara a chuva lavar as janelas empoeiradas e molhar os pés, vestidos de chinelos e sofrimento, das pessoas daquele vilarejo. Cada solavanco na estrada velha e cindida a remetia aos seus dias e noites intermináveis de vazio, buracos. Assustadoramente, o lugar em que iria passar seis meses da sua vida se mostrou, naquele momento, um retrato do seu presente. Frio, molhado, triste, desfigurado.
Com o peito repleto de angústia e solidão colocou seus pés, semelhantes e tão distintos das outras pessoas, na pequena Ventura.
A chuva parecia não ter fim, causando um estranhamento na moça da cidade. Pois, como poderia chover tanto no sertão do Pajeú? Sem procurar compreender o que a natureza revelava, desceu pelas ruas encharcadas se deixando molhar sem ressalvas pela água inesperada. Caminhara trinta minutos sem pensar um segundo o que seria dos seus dias, da sua vida dali para frente.
Ao chegar ao quarto que seria sua morada, sentira algo que há tempos não experimentava. Inexplicavelmente, o nó que se tornou parte do seu peito havia se desfeito. Com as mãos tremulas, por não entender o que acontecera, acendera um cigarro e o prazer do trago voltou como no passado. Um, dois, três cigarros não foram o bastante para que a jovem percebesse o que acabara de acontecer.
Sentada ao pé da janela, com as faces coradas pelas revelações que se pronunciavam, chorou.
Eram lágrimas doces que deslizaram até seus lábios ressecados, como se o amargo do seu ser tivesse sido banido, lavado pela chuva. O sal da lágrima, que sempre criava uma gota branca na beira dos seus olhos, não apareceu. O gosto era suave e a sensação de tranqüilidade sinalizava um adeus ao seu sofrer.
As lágrimas não cessavam, acompanhadas de risos, soluços e reflexões. Assim como a chuva inusitada na terra seca, ingrata, o choro descontrolado anunciava, gritava a boa nova. Ventura!
Felicidade assim se faz, em qualquer lugar, basta deixar escorrer o que te faz padecer.
Roberta Valentim